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Resenha: O Cortiço, de Aluísio Azevedo.

Esse foi o meu primeiro contato com a obra de Aluísio Azevedo, autor naturalista brasileiro.

Antes de mais nada, é preciso esclarecer o quanto a obra de Aluísio de Azevedo foi importante para a construção da imagem do Brasil e da sociedade, em especial, O Cortiço.

Ele foi um autor que sempre criticou muito os valores tradicionais, naquela época representados pelo clero. Dentre todas as suas obras, O Cortiço se destacou por uma guinada em favor do "povão" na literatura e tanto esse quando O Mulato, foram muito bem recebidos pela crítica.

É importante também ressaltar, que ele foi um autor que pertencia ao estilo naturalista, que veio a confirmar a narrativa realista (que ainda se concentrava na corte), mas que sempre tinha as suas "recaídas" românticas, ou seja, escrevia ao modo naturalista, mas intercalava algumas obras no estilo romântico.

Acho que chega de falar da nobreza e da corte. Está na hora de narrar um pouco a vida do povão.

Antes de mais nada, só para dar uma noção da escola literária e tudo mais: O Cortiço é um romance naturalista e é um dos seus maiores expoentes, sem dúvidas. O Naturalismo vai se ocupar com a condição natural, até animal do homem, os autores vão sempre retratar essa condição selvagem do ser humano.

Partindo para o livro, O Cortiço, como o próprio título já diz, vai narrar a história de um cortiço. A narrativa vai ser em terceira pessoa, na forma de um narrador-observador que vai relatar todo o cotidiano de um cortiço.

O cortiço é uma espécie de estalagem, ele foi criado por um dos personagens centrais, João Romão. João Romão é um português vendeiro que prosperou na vida e em dado momento decidiu erguer um cortiço. O autor deixa bem claro que o vendeiro primeiramente constrói poucas casas e depois tudo vira um amontoado de instalações, literalmente.

No cortiço vai ter todo tipo de gente. Portugueses, italianos, brasileiros de todo tipo e essa mistura digamos assim, vai dar origem ao espírito do cortiço, a atmosfera do cortiço. Essa atmosfera nada mais é do que o calor de várias pessoas amontoadas, o próprio autor usa o termo “bafo” para descrever o ar que sai do cortiço.

Essa mistura de povos, que considerando o ano de publicação do livro, retrata o quanto o novo continente era escolhido como destino por outros povos. Essa diferença de idéias vai gerar conflito, o livro em si é cheio de brigas entre os moradores, proporcionando cenas muito engraçadas.

Uma delas, que é a minha preferida e que eu acho que a que mais bem retrata os ares de cortiço, é quando as lavadeiras estão trabalhando na tina e como toda lavadeira da época, sempre saía muita fofoca. Uma lavadeira brasileira e bem brasileira e outra portuguesa estavam em conflito por um motivo X e decidiram acertar as contas, iniciada a briga, simplesmente o cortiço inteiro parou para assistir a briga. Estando a portuguesa a perder (o autor sempre ressalta o vigor do corpo das brasileiras), os da sua raça, também portugueses, decidiram intervir, os brasileiros se ofenderam e o cortiço simplesmente entrou em guerra. A situação já se tornou uma anarquia e para completar o cortiço vizinho decidiu atacar o cortiço que é tratado no livro. Agora o cortiço que brigou primeiro se uniu contra o outro cortiço. Como se não bastasse, o cortiço do livro pega fogo, termina a briga e todos se ajudam mutuamente na tarefa de apagar o incêndio.

A cena é realmente fantástica e é notável como o autor se esforça em retratar a povo, que é o objetivo do Naturalismo, como a brigasse deu primeiro em um cortiço e como o mesmo teve que se superar para poder se defender contra o outro cortiço. Enfim, o autor mostra toda a garra das camadas baixas, que é capaz de se enfrentar e se ajudar dependendo das circunstâncias.

É interessante ressaltar que enquanto Aluísio Azevedo vai narrar todo aquele cotidiano dos pobres em contraponto aos vizinhos do cortiço, que são os capitalistas burgueses. Vai haver uma antítese, de um lado a burguesia e de outra o proletariado. Em minha opinião, é nesse jogo de antítese que o autor vai mostrar como as emoções que antes eram consideradas animalescas e selvagens também são inerentes à classe alta. Prova disso é que a mulher do capitalista, Estela, que tinha a mesma destreza sexual que a fogosa Rita, do cortiço.

Fruto do conflito dessa antítese, vai ser a transformação da condição do dono do Cortiço, João Romão. O modo que o narrador vai usar para descrever essa invasão burguesa na personalidade do dono cortiço vai lembrar aquela narrativa usada pelo Machado para explicar o que acontecia na alma dos homens.

A escrita de Aluísio Azevedo é complexa, mas ao mesmo tempo de fácil compreensão. Ele não vai dar muitas voltas e nem vai deixar aquelas perguntas no ar como acontece com Machado de Assis. O que ele quer que seja refletido ele vai logo mostrar e logo vai fazer com que a reflexão aconteça. Também usa bastante a descrição, mas uma descrição que também, ao mesmo tempo é curta, mas sacia a curiosidade do leitor.

 É muito interessante como toda a narrativa se encaixa, como toda a história de cada personagem se encaixa muito bem ao contexto. Simplesmente não há os chamados erros de enredo, onde a história de um personagem não confere ou uma parte da narrativa fica inacabada. Ele inicia a narrativa e toda ela vai conectando para chegar a uma conclusão.

O final do livro é uma dura crítica ao mundo burguês. Ele vai passar o livro todo retratando o povão, entrelaçando-o aos nobres e dedicando alguns espaços aos costumes destes, mas o final do livro é reservado a uma crítica bem dura a dois estereótipos: ao modo capitalista, como ele age, ao conflito de interesses e como a alma do homem é vulnerável frente aos desejos, à inveja e às influências. Enfim, quem ler esse livro vai concordar. Sensacional. Lembram d’O Caso da Vara, do Machado? Então, semelhante.

Esse final todo crítico, que surpreende o leitor, porque eu achei que viria um final totalmente diferente, não uma crítica tão bem direcionada a uma classe da época. Tudo isso demonstra como a sociedade já havia saído do modo todo romântico do Romantismo e já estava no costume de ser criticada pela literatura.

Concluindo, eu gostei muito desse livro. Gostei mesmo. Não só porque é um clássico. Existem clássicos que são difíceis e que só conseguem passar a sua mensagem a uma pequena parcela de leitores devido a exigência de certo nível de leitura. Mas O Cortiço não se encaixa aí. É um livro bem escrito, direto, mostra o que tem que mostrar e acho que todos deveriam ler, devido a temática como fonte histórica e fonte de reflexão.

Espero que tenham gostado. Compartilhem! 


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