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Meio Crônica: A Miséria das Relações.

Recentemente estava conversando com uma amiga sobre literatura. Decidi então contar a ela o que eu senti ao ler os livros do Realismo e o sentimento foi algo que ela confirmou: nada é verdadeiro, tudo é de mentira.

Essa é a sensação que se tem quando se lê livros do Realismo que honrem com a escola literária: desolação, uma sensação de que nenhuma relação social é verdadeira, ela é fruto de um interesse. A tese machadiana das duas almas ainda reforça a falsidade das pessoas. Além de você não confiar nas pessoas, você passa a encará-las como um lado, como se fossem um Janos, da mitologia romana.

A cereja do bolo fica por conta do Naturalismo que nos coloca sobre um entendimento determinista e demonstra a teoria muito bem embasada de que na realidade nós somos animais, porém nos comportamos por um período de tempo mais longo do que aqueles que são selvagens.

É desconstruir rapidamente um entendimento que estava impregnado de romantismo do Romantismo.
Apenas um livro do Romantismo me rendeu monotonia e a chamada “ressaca literária”, no Realismo já foram dois e pelos mesmos motivos, a miséria humana. Em Dom Casmurro, é quase incabível que uma trama que começou feliz se desenrole naquele trágico final e o mesmo tem que se dizer de Madame Bovary, que de uma forma mais acentuada e um pouco menos romanesca, demonstra o interesse e a falsidade das pessoas e a capacidade das mesmas de qualificar os indivíduos como objetos momentâneos ou que só servem para um período.

A máxima do Realismo Naturalismo é: somos animais comportados, sociáveis, demasiadamente sociáveis e levamos essa sociabilidade como arma para os nossos interesses, somos corruptos e interesseiros. Eu não discordo nenhum pouco, somos mesmo.

Para concluir e concluir de uma forma real, mas não determinista, não se deixem influenciar tanto assim. Se somos odiáveis também sabemos amar, após ler Machado e Flaubert talvez seja melhor voltar um pouco as doçuras do Romantismo. Mas nem tanto, antes a realidade das relações do que as farsas das relações.

Desconstruindo aquele conceito errôneo sobre a falsidade das relações, segue palavras de um psicanalista que soube muito bem mudar a minha opinião:

“Em geral, esse cinismo [farsa] cético é fruto de: 1) uma consciência moral terrível, pela qual toda experiência concreta, sobretudo se for prazerosa, deve ser culpada ou 2) uma extrema insegurança compensada por uma exaltação narcisista; assim sou o único a perceber que tudo é falso – com isso sou superior aos outros, ninguém me engana. Essa posição é freqüente na adolescência (...)”
                     
                                                                   Crônica: “A Árvore da Vida e Melancolia”, de Contardo Calligaris.



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