Seria parte integral do corpo da resenha, iniciá-la com uma
pequena introdução sobre o autor. Dispenso essa necessidade nessa resenha, sob
a premissa de que todos brasileiro deve ou pelo menos deveria conhecer Machado
de Assis.
Quando um autor relata um mundo inexistente, fruto da sua
imaginação ou retrata uma época ou uma sociedade através das impressões
fantásticas da sua mente, o autor está sendo servo da literatura fantástica ou
de fantasia, porém, quando um autor disseca uma sociedade, seus indivíduos,
sobretudo as suas emoções, desde o ambiente até o mais desprezível ser, ele
está servindo ao gênero mais característico da literatura, aquilo que eu
particularmente chamo de literatura de História, que é algo válido, que vai
além do momento, que é uma fonte sobre uma época e Machado de Assis soube muito
bem encher os romances (que eu li até agora) dessa qualidade louvável.
Quincas Borba é uma continuação de Memórias Póstumas de Brás
Cubas, mas ambos podem ser lidos em ordem inversa, como eu fiz.
Os personagens apresentados são Rubião, pobre, mas dono de
uma alma “bondosa” (leiam o livro e entenderão a ironia), que decide se dedicar
no cuidado do seu amigo Quincas que está prestes a morrer. Quincas por sua vez
é rico, dono de várias propriedades no Império, inclusive na Corte, uma vez que
no primeiro momento os dois personagens se encontram no interior, em
Barbacena.
Fato é que Quincas Borba morre e deixa toda a sua fortuna ao Rubião, começa então todo o processo que eu, em minha opinião, acredito ser a
deturpação que ocorre no caráter e na esfera social do personagem que se vê
afortunado da noite para o dia, a deturpação não está no fato da arrogância do
personagem, ele nem sequer fica arrogante, mas sim na alma boa, que passará daí
em diante beirar a sua natureza e o seu status, refletindo o entendimento do
próprio personagem em relação ao dinheiro.
Foi no caminho para corte, que Rubião conhece os seus
primeiros amigos. Palha e Sofia, casal muito rico, tal qual Rubião, que lhe
oferecem estadia e companhia na cidade, centro da cultura. Começa aí também o
realismo das relações, não mais cheias de cobranças e medos, mas sim disposta
ao risco para poder amar. Rubião acaba se apaixonando por Sofia, mulher do
Palha.
Sofia reflete muito bem o caráter da nova mulher do
Realismo, ama, mas acima de tudo ama a si, o seu status e qualifica as pessoas
ao seu redor conforme a utilidade das mesmas, prova disso é a sua total mudança
em relação ao personagem Rubião, após o mesmo lhe enviar uma rica jóia de
presente.
É necessário escrever aqui sobre a nova proposta filosófica
que integra o livro (mas que acredito que não deve ultrapassar as fronteiras
das páginas), o chamado Humanitismo, teoria começada em Memórias Póstumas de
Brás Cubas e que se aperfeiçoa em Quincas Borba e sim, também no personagem
central, que mesmo sem entender a teoria que lhe foi passada pelo antigo amigo
Quincas, tentará esclarecer à roda de amigos o valor da teoria.
Acho cedo para falar sobre a análise que Machado de Assis
usa, mas se for me deter penas neste livro, pode-se dizer que é uma análise
atenciosa, que não perdoa nem as flores do jardim de Sofia, nem mesmo o
cachorro de Quincas Borba. A análise visa, em minha opinião, fornecer ao leitor
não tanto a atmosfera externa da narração (sala, teatro, salão), mas sim a
atmosfera interna de cada personagem (dor, angústia, medo, receio) e as suas
interligações com os demais (olhares, risadas e desvios).
Aliás, é muito engraçada a relação que o autor constrói entre
o cachorro do finado Quincas Borba, que também se chama Quincas Borba e Rubião,
uma vez que o cão é uma cláusula no contrato de herdeiro universal, ou seja,
sem cão, sem herança. Muitas vezes você se pega na metade do livro com uma
análise cuidadosa das ações do Quincas Borba, aí você percebe que não é o
falecido e sim o cachorro.
Nesse livro a única coisa que me lembrou o Romantismo foi as
comparações com a mitologia grega e a leve influência de um Otelo ou um O
Mercador de Veneza, mas já pode-se notar uma nova influência européia na
literatura brasileira (o que também implica as mudanças na Europa), mas agora
não sei citar nenhuma, seria uma obra de cunho político ou social usada por
Machado, enfim, se alguém lembrar deixa nos comentários.
Acho que seria isso então, é o primeiro livro que leio do
Realismo. Gostei. Estava precisando sair
do Romantismo que já estava muito cansativo.
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