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Machado #2: Memórias Póstumas de Brás Cubas.

Acredita-se que quando as pessoas morrem, o seu espírito passa a vagar, descobre as verdades em torno de si, da sua existência e os verdadeiros sentimentos daqueles que o rodeavam, bem como os seus segredos. Se a asserção é verdadeira eu não sei, só sei que Machado de Assis se valeu dela para escrever um dos romances que compões a sua tríade de melhores romances e um dos melhores do Brasil.

Memórias Póstumas de Brás Cubas foi o segundo livro que li do Machado de Assis, ele trará a história ou como o próprio título diz as memórias póstumas do Sr Brás Cubas. Este por sua vez pertencia, acredito eu, à classe alta da sociedade carioca, apesar das suas origens não serem tão principescas.

Brás Cubas nunca quis se casar, no começo do livro deixa bem claro que era uma criança muito bagunceira e que gostava de maltratar os seus criados e que apesar das sérias repreensões, sempre foi mimado pela família. Fato é que o pequeno Brás cresce e por boa parte da sua juventude se entrega às orgias da época, seu amor com Marcela e todos os gastos que obtinha para agradar a sua bela plebeia, aliás, o tempo é uma constante nesse romance, a narração se delineia bem como é a vida, infância, juventude e velhice.

Com o tempo, o personagem começa a ter suas aspirações políticas, já formado em direito, passa boa parte após os seus trinta anos se dedicando a uma cadeira no parlamento, envolvido em política e sempre negando a necessidade de se casar. Novamente sendo o tempo uma constante, Brás vê toda a geração anterior à sua morrer, desde seus pais, até parentes e amigos.

É durante o seu envolvimento político que ele se torna amigo do Lobo Neves e é nessa etapa que entra o amor realista. Brás se apaixona pela mulher do Lobo Neves, Virgília, a bela com o nome do poeta (Virgílio). Vivendo a nova trama amorosa, desfruta todo o amor de sua amada, amor proibido, contrario às convenções da sociedade.

Terminada a maturidade, é notável no livro qual o capítulo que dará início à narração das memórias da velhice. É o capítulo “Cinquenta Anos”, que na minha opinião é o melhor do livro e é também um dos mais pequenos. Chega a ser angustiante a forma verídica que Machado retrata a chegada dos cinquenta anos (chega a dar medo de chegar nessa idade e sentir o mesmo), a beleza desse capítulo o coloca como um dos mais verdadeiros e um dos melhores que já li, evidenciando que um bom capítulo não precisa ser enorme. O capítulo seguinte se torna mais emotivo, o capítulo se chama “Esquecimento”, em Latim, onde o autor irá retratar o esquecimento que começa a se apoderar da sua existência como homem, novamente é notável a carga reflexiva nas entrelinhas do pequeno capítulo, esses dois, na minha opinião são os melhores do livro.

Já tinha escrito antes que o tempo é uma constante no livro e o autor evidencia isso em vários capítulos, mas um que eu achei mais nítido foi no qual ele vai dar um passeio na rua e entra em uma relojoaria e entrega o seu relógio a uma mulher tomada de bexiga e após fazer uma análise da monstruosidade da mulher devido à doença, descobre que a mulher era a sua antiga amada Marcela, enfim, é um recurso usado por Machado, um recurso bem realista.

Esse romance inaugurou o Realismo no Brasil, esse é um fato bem importante. No primeiro parágrafo escrevi aquela asserção porque ela é muito usada pelos professores e críticos, claro que o Machado não diz claramente que se valeu da asserção e tal, mas ela é a mais cabível. O livro em si representa o Realismo, quase um Condoreirismo (deriva do condor, pássaro que voa alto e é capaz de perceber tudo o que acontece embaixo). O caráter de memória do romance em si, é um mecanismo que permite ao narrador-personagem pertencer ao realismo, por estar morto ele consegue compreender o que se passou realmente, as minúcias que em vida ele não tinha alcance ou não conseguiu ver devido a condição de estar vivo.

Uma parte bem engraçada do livro é no começo, uma vez que o livro tem início com o Brás Cubas ainda vivo, na verdade, na transição. É nessa transição que o personagem sonha que está em cima de um hipopótamo e o animal leva ele até o começo da humanidade, passando pelo Éden e depois conversando com o que seria Pandora, que lhe dá conselhos e lhe fala algumas verdades sobre a vida.

É aqui também que o Brás Cubas conhece o Quincas Borba, que dará continuidade em outro livro que leva o mesmo nome. Quincas Borba aparece pobre e rouba um relógio de Brás, mas manda um bilhete a ele prometendo devolver, um tempo depois Quincas aparece rico e com um relógio melhor que o que ele roubou, essa parte é meio confusa, mas ele já está com a sua filosofia pronta, o Humanitismo, porém, ainda está na tarefa de aperfeiçoar ela. Na verdade ele queria que o Humanitismo fosse a teoria universal e que virasse uma religião.

Não vou contar como vai ser o final do romance entre Brás e Virgília, vocês vão ter que ler, nem como vai acabar, se o Brás Cubas vai ser feliz ou par onde ele vai.

Concluindo então, gostei do livro, assim como gostei do anterior, Quincas Borba. Recomendo não apenas por ser um clássico, mas por ser um clássico do Machado de Assis, com uma boa história, uma linguagem que se entrelaça entre o tempo. É importante ressaltar que nos dois livro já resenhado, o narrador-personagem se comunica diversas vezes com o leitor, fazendo correções (não lembro em qual dos dois, talvez em Quincas Borba, o autor faz uma repreensão ao leitor, algo incomum na época) e reflexões, tornando assim, a narração mais interessante.

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