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Excerto da apresentação
de Franco Volpi a segunda edição, de 2005 de Sobre o ofício do escritor, pela
Editora Martins Fontes.
Sobre o oficio do escritor é um livro que compreende três
pequenos textos escritos pelo filósofo alemão Arthur Schopenhauer: “Sobre o
ofício do escritor”, “Da leitura e dos livros” e “Da língua e das palavras”.
Este pequeno tratado faz parte das Parerga e Paralipomena, obra publicada em
1851 e que atribuiu ao autor o começo do seu êxito literário.
Com uma crítica aguçada, uma clareza de estilo e certo tom
de humor, que lhe conotam distinção dos idealistas da época, Schopenhauer
constrói ao longo da narrativa muito mais além do que um guia para bons
escritores, mas um apanhado de exemplificações que demonstram erros comuns
tanto a filósofos quanto a escritores.
Em Sobre o ofício do escritor, Schopenhauer utiliza uma
forte valorização das línguas antigas, bem como uma exaltação da língua alemã,
como mostra o excerto: “(...) a língua alemã é a única na qual se pode escrever
quase tão bem como em grego e latim, algo que seria ridículo querer louvar nas
outras principais línguas europeias (...). Somente quando se escreve em latim
aprende-se a considerar a dicção como uma obra de arte, cujo material
constitui-se na língua, que, portanto, deve ser tratada com o máximo cuidado e
máxima delicadeza.”.
Também se permite criar uma distinção entre os tipos de
autores: “(...) há três tipo de autor: em primeiro lugar os que escrevem sem
pensar (...) Em segundo lugar os que pensam enquanto escrevem (...) Em terceiro
lugar os que pensaram antes de se porem a escrever. Escrevem simplesmente
porque pensaram. São raros.” Juntamente a esse pensamento, demonstra a
necessidade de se rechaçar os maus usos da língua, as suas distorções,
variações, bem como contrariar “grandes filósofos”, como o autor exemplifica em
Hegel, que deveriam “(...) dizer coisas incomuns com palavras comuns, mas fazem
o contrário”. Segundo Schopenhauer, o rebuscamento das palavras prejudica a
clareza do texto.
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Reforça também o papel da crítica devido ao fato de que
“difamar as coisas ruins é um dever em relação às coisas boas, pois, para
aquele a quem nada é ruim, nada é igualmente bom.”, ressaltando que a mesma não
pode ser feita em anonimato, pois “não se pode deixar que um mascarado agrida
aqueles que andam sem máscara”.
Acho sensacional a defesa que o autor faz da boa literatura
clássica, ao dizer que “(...) o novo é raramente bom, pois o bom só é novo por
pouco tempo.” e que “(...) não há maior refrigério para o espírito do que a
leitura dos clássicos antigos: tão logo temos um deles nas mãos, e mesmo que
seja por apenas meia hora, sentimo-nos imediatamente refrescados...”.
Em Da leitura e dos livros, o autor mostra a importância do
ato de não ler compulsivamente, mas sim ler reflexivamente. Usa dois exemplos: o
da praia, onde o leitor só é capaz de ver as pegadas na areia através da leitura,
porém é incapaz de ver o que o autor pensou ou viu enquanto caminhava e o
exemplo da arena de idéias, onde durante a leitura, várias idéias conflitam na
arena da mente, porém, ao final da leitura, para onde vão as idéias? Reside aí
a necessidade de ler e dedicar um tempo a pensar sobre o que se leu, bem como
repetir a leitura de um bom livro pelo menos duas vezes.
Enfatiza os conceitos que circundam as expressões em
determinada língua e se mostra contrário as traduções. Para Schopenhauer, não
existem conceito equivalentes nas línguas, mas apenas palavras que se aproximam
de um determinado sentido, aí está a inutilidade de se traduzir, pois a
essência nunca poderá ser traduzida. Cabe ao leitor buscar o entendimento de
outras línguas, pois ainda segundo Schopenhauer, quando se estuda um novo
idioma, aprende-se a usar uma vasta área de conceitualização das expressões e
palavras, o que amplia o campo de compreensão.
O autor demonstra a importância da bagagem literária, porém,
avisa que “Pretender que um indivíduo conserve tudo o que leu é como exigir que
ele ainda traga dentro de si tudo o que já comeu”. Ao afirmar isso,
Schopenhauer compara os livros aos alimentos, bem como o corpo, a mente se
encarrega de subtrair apenas aquilo que é do nosso interesse.
É também nesse segundo tratado que o autor mostra como a boa
literatura é capaz de substituir determinadas companhias, que muitas vezes
podem ser desagradáveis: “(...) é por essa razão que uma cultura intelectual
elevada nos induz pouco a pouco a encontrar nosso prazer quase exclusivamente
na leitura dos livros, e não na conversa com as pessoas.”. O que eu concordo,
pois é fato que existem momentos que os livros se tornam uma atividade mais
prazerosa e produtiva.
Por fim, em Da língua e das palavras, o autor faz uma ressalva
do que expressou no primeiro tratado. Mostra novamente o risco de usar jargões
e “mutilar” palavras, bem como expressões. Destaco uma forte crítica que Schopenhauer
faz aos franceses: “Seria realmente muito cortês se os eruditos franceses ao
menos quisessem fingir que entendem grego. Ora, ver o modo como a nobre língua
grega é insolentemente mutilada em favor de um jargão tão repugnante como o
francês, considerado por si só (...) é um espetáculo semelhante ao que oferece
a grande aranha das Índias ocidentais ao devorar um colibri, ou ao de um sapo
que devora uma borboleta.”
Schopenhauer é extremamente crítico e não mede palavras ao
criticar grandes filósofos como Hegel. É convicto da necessidade de se escrever
bem como premissa de conservação de uma língua, sobretudo as antigas (o momento
histórico em que foi escrito o livro reflete a queda do latim como língua
científica internacional). Com base na sua convicção, acredito que Schopenhauer
escreveu esses três pequenos textos em um momento chave da história cultural
alemã: o momento onde a alta cultura parecia ceder a cultura de massas
difundida através dos mau uso da escrita.
O trabalho crítico de Schopenhauer juntamente com o seu
desbravamento em criticar incisivamente todos aqueles que faziam ou que
pretendiam fazer mau uso da língua, conotam a necessidade dos bons se
sobreporem às tendências que buscam simplesmente cortar o passado literário,
exemplificado no Brasil e talvez no mundo, com aqueles que desprezam Machado de
Assis, Dostoiévski, entre outros, para exaltar pequenos romances eróticos e
detestáveis que insultam a literatura ao ousarem usar esse termo para o
amontoado de lixo que compilam nas suas edições.
Schopenhauer e a sua tentativa impactante de conter o avanço
dos “ratos” destruidores de literatura, ilustram a célebre frase de Edmund Burke que transcrevo
grosso modo: “Para que os maus vençam, basta
que os bons fiquem quietos.”
A qualidade da escrita, a crítica geral e não elitizada,
tornam Sobre o ofício do escrito uma obra atual, dado que desde quando foi escrito,
a literatura mundial perdeu muito do seu valor. A obra de Schopenhauer se
mostra atual porque a sua temática base é atual: a deterioração da língua, a
multiplicação de livros sem o mínimo rigor gramatical, as parcerias entre
editores e escritores que se contentam em escrever conforme as tendências da
época e abdicam da posição de autor que cria para se tornarem escritores que
acompanham momentos lucrativos.
Não recomendaria a leitura de Sobre o ofício do escritor
somente para aqueles que desejam escrever ou que lidam com a escrita, mas para
todos aqueles que buscam não ser engolidos pela atual onda de degradação
literária. A obra de Schopenhauer, como disse, é atual e pertence a atual
problemática da literatura, por conta disso, sua leitura se torna
indispensável.
Todas as citações feitas nessa resenha, menos a
epígrafe, que pertence ao organizador da edição, são de Arthur Schopenhauer e
retiradas da sua obra Sobre o ofício do escritor, edição da editora Martins
Fontes.
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