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Dostoiévski aponta uma lembrança do príncipe Michkím do tempo em que estava se tratando na Suíça. A lembrança foi provocada pela leitura do desconcertante texto de Hipolit.
Conforme a leitura avança, os fatos que acontecem na
história também parecem avançar rumo a não apenas uma conclusão, mas a uma
série de pequenas conclusões que ao que parece se encaixarão na última parte.
A penúltima parte do romance O Idiota, ou seja, a terceira
parte, inicia com uma minuciosa descrição da personagem Lisavieta Prokófievna,
mãe das irmãs Alieksandra, Adelaida e Aglaia e também esposa do general Ivan
Fiodorovitch. Particularmente gostei muito dessa ênfase dada a personagem, pois
como expus na última resenha, sinto certa simpatia por ela.
Dostoiévski faz questão de mostrar ao leitor a posição daquela que é uma
matrona. Em sua casa todas as preocupações recaem sobre ela e ela responde as
preocupações com o seu temperamento ora burguês, ora demasiado humano, o que
levou o próprio personagem central a considerá-la uma pequena criança. Em suma,
as preocupações quanto ao marido e ao futuro casamento das filhas cabem
totalmente a Lisavieta o que contribui para o seu caráter por vezes intempestivo.
Parfen Rogójin também deixa claros os seus sentimentos em
relação ao príncipe, mesmo sendo eles ambíguos e de difícil compreensão. Seria
uma mistura de ciúme e inveja por parte de Rogójin ao príncipe Michkím. Rogójin
inveja a forma com que o príncipe ama Nastácia Filípovna. Enquanto Rogójin ama
de uma forma totalmente platônica e demonstra ter tomado a conquista da
pretendente como grande empreitada de sua vida, Michkím simplesmente sente
compaixão, compaixão digna de um ser feito de amor e que busca a simplicidade
nas expressões (o que também parece incomodar Parfen).
É preciso destacar também a fonte de estudo da cultura russa
que o livro vem proporcionando. As descrições, que volto a reafirmar, são
longas, porém bem estruturadas e graças a boa estruturação não são pesadas,
fornecem a quem lê atenciosamente, uma gama de registros sobre a cultura. As
várias reuniões que acontecem nessa parte, tanto em casa de Liébediev, na
datcha (casa de verão popular na São Petersburgo em que se passa a história) do
príncipe ou na dos Iepántchim, mostram qual era o teor das conversas naquela
época.
Implicitamente na escrita e com a ajuda das notas de rodapé
que acompanham a edição, é possível notar uma série de relações que o autor
estabelece tanto com o Evangelho, quanto com poemas de Puchkin ou histórias de
crimes ou julgamentos por crimes que aconteceram na França. Essas associações
não servem como argumentos para dizer que o autor se inspirou em um apanhado de
artigos e textos, mas que ele teve contato com inúmeros artigos jurídicos e
obras tanto de autores passados, quanto de fatos do presente envolvidos com a
temática social e política.
As profundas reflexões a cerca da natureza e da condição
humana também se mostraram presentes no capítulo e destaco as duas que mais
chamam a atenção pela profundidade e pela solidez do embasamento:
A brilhante defesa de Liébediev (o qual parece ter sua
eloqüência associada a embriaguez e aos tumultos da sociedade, principalmente
sobre temas sociais que despertem várias significações) sobre o caso de um
homem que, no século XII teria praticado antropofagia com monges e
posteriormente com bebês. O fato quando foi introduzido na conversação provocou
a indignação de todos os presentes, porém Liébediev se valeu de uma série de argumentos,
entre os quais pode se destacar a necessidade e a bondade inerente da alma,
considerando que o canibal teria assumido o crime posteriormente, mediante os
sentimentos provocados em sua alma devido ao crime praticado. Liébediev se vale
também das condições da época.
A narrativa do tísico Hipolit, que considera as suas duas
últimas semanas de vida e decide escrever um artigo para ler em sociedade.
Durante uma das reuniões, se vale da sua situação e pede licença para ler o
escrito. O escrito se mostra como um manifesto a futilidade de certos seres
sociais, tanto ricos que se dedicam a determinadas atividades, quanto a pobres
que, segundo o personagem, são pobres devido ao próprio querer. Com a narrativa
do escrito, Hipolit revela o seu descontentamento e raiva de uma sociedade que
em sua impressão é além de desorganizada, corrupta.
Concluindo, é notável nesta terceira parte como a narrativa
se mostra circular. Circular porque quem lê com atenção nota como o personagem
do príncipe começa a se colocar no centro dos acontecimentos. Todos os fatos
narrados possuem ao menos uma ligação com o príncipe e antes de chegarem a sua
conclusão envolvendo as partes, passam pelo personagem do príncipe. Ao que tudo indica, como eu já mostrei no
começo da resenha, na órbita de tudo que se refere ao príncipe, começa a se dar
as pequenas conclusões, que conforme o ritmo da narrativa chegará a conclusão
final da obra.
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