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Machado #3: Dom Casmurro + Capitu traiu?

Dom Casmurro, seria até desnecessário dizer, é um clássico da literatura. Sim, da literatura universal, não somente da brasileira, pois é um dos poucos livros da literatura brasileira que são conhecidos (muito conhecidos) internacionalmente.

Com uma escrita pretensiosa, altamente incisiva e crítica à sociedade (e também as emoções do homem), Machado de Assis traz os dois personagens, traz a paixão de infância, capaz de tudo, Capitu e Bentinho. Ambos se conheciam desde pequenos, moravam em Matacavalos, um bairro que equivaleria a uma classe estável. Como escrevi, foram criados desde cedo juntos e aprenderam ou melhor, cativaram desde muito cedo o carinho mútuo e o amor recíproco, consequentemente, o senso de domínio. Um era posse do outro e qualquer ameaça ao território de um deles era motivo para desconfianças e imediatas retaliações: olhos dissimulados e rápidos períodos sem se falar.

As desconfianças vinham desde que os personagens eram pequenos. Logo na infância, quando Capitu atingiu a sua mocidade, Bentinho já se mostrava possessivo, prova disso é o dado momento em que o mesmo sente vontade de agarrar Capitu  e fazer todo o seu sangue escorrer com as unhas, um pensamento precipitado para um seminarista de quinze anos. "Mas o amor tem dessas partes", (usando as palavras do mestre), logo o pólo se invertia e Bentinho voltava às carícias meigas.

Era previsto, quando Bentinho conseguiu sair do seminário, casou-se com Capitu, o que iria parecer ser o ápice, foi realmente. Mas os anos passam e novamente, “O amor tem dessas partes”, tem também as suas fases, surgem os ciúmes, as desconfianças, tudo em contraponto a um passado amoroso, o qual prometia a eternidade igualmente bela.

Não vou mais detalhar nada do enredo em si. Escrevi o que eu sabia sobre o livro antes de ler, pois a graça em é ir descobrindo fato por fato.

Sobre a escrita só posso reafirmar o que escrevi sobre os outros livros desse mesmo autor, porém, agora já posso escrever com mais segurança sobre esse ponto. Sensacional como esse cara sabe lidar com o tempo, expressar o tempo. Parece que as palavras deslizam, em certos momentos parece ser possível ouvir a voz do próprio narrador-personagem. Não posso deixar de escrever novamente sobre o tempo: infância, juventude e fase adulta são narradas de uma forma tão particular. A leitura é tão boa e tão real que a transição de uma fase da vida pra outra se torna imperceptível. Machado não deixou um problema somente para os críticos de literatura, mas também para qualquer um que queira expressar o que se passou nesse livro e o que se sente durante a leitura.

A ambiguidade é algo muito presente em todo o livro. Claro que não vou escrever todas aqui, mas é notável como há frases que se completam em parágrafos distintos e frases que fazem alusão a outro fato já relatado ao que vai surgir mais pra frente. A discussão sobre se a Capitu traiu Bentinho é resultado de dois fatos que ao se completarem tornam-se ambíguos. Mas eu não atribuiria a qualidade da obra somente à ambiguidade, mas sim a tudo que já foi citado nessa resenha, ao conjunto inteiro da obra, a isso se deve o status de clássico.

Enfim, o livro é muito discutido e muitos trabalhos já foram publicados, sendo dois os mais interessantes e citados na introdução da edição, são eles: um brasileiro, comandado por José Olympio, chamado “O Enigma de Capitu” e um internacional, comandado por Helen Caldwell, “The Brazilian Othello of Machado de Assis- A Study of Dom Casmurro”.

E Capitu, traiu? Não sei, ninguém sabe. Na verdade, já tinha minha opinião formada: Capitu traiu. Mas fui com versar com uma amiga e ela me lembrou dois fatos que eu ignorei, mas que são muito importantes: o livro é escrito em primeira pessoa, ou seja, demonstra somente um lado da história e o ciúme, que é capaz de criar ilusões cabíveis somente ao apaixonado. Mas tenham calma, logo formo minha opinião e talvez faça um post somente sobre a minha opinião e os meus argumentos.

Concluindo, um livro sensacional e um dos melhores que eu já li. Acho que todos deveriam ler devido ao conteúdo reflexivo sobre a sociedade, suas relações e os sentimentos que elas envolvem.

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