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Meio crônica #1

Li uma entrevista do psicólogo Contardo Calligaris ao jornal Zero Hora e na entrevista o cara contava como era ser jovem quando ele era jovem. Contou que na sua época, sem neuras, sem sociedade, sem moralismo, havia liberdade. Sexo não era perigoso e cheio de recomendações que hoje a sociedade impõe (claro, para o bem de todos, será?). Tentando reproduzir o que ele disse, sexo era sem neuras, era só por a língua e curtir. O cara é sensacional.

Estou terminando o livro Feliz Ano velho, de Marcelo Rubens Paiva, que aliás, pretendo resenhar aqui. Além da escrita, esse cara é também, muito sensacional. Naquilo que é a sua pequena biografia, o cara usa uma escrita leve e desprendida das normas cultas da língua (pra que normal, afinal?), dando um certo tom de subjetivismo. Mas o que é realmente sensacional é como ele retrata a sua juventude e isso é realmente sensacional. Eles também eram desprendidos de neuras e dos malditos, sim, malditos moralismos sociais e religiosos. No livro, a juventude era aventureira e eu acredito que o era (era, no passado). É entusiasmante, essa é a palavra que define o que se sente quando o cara conta como namorava, se relacionava, como brincavam entre si.

Mas hoje tudo mudou. Estamos alimentando um mercado cada vez mais crescente, o do medo e da insegurança. E quem impõe esses fatores? A sociedade. Sim, essa bela pregadora de peças que adora arrematar ovelhas para o seu infeliz, mas comportado rebanho. Aos espertos um conselho, fuja do pastor, a vida longe dele não é tão difícil e aos tombos, ha esses devemos nos acostumar.

Não há liberdade para ser quem somos, para lutar pelo que acreditamos e ainda somos fadados a posar com boa postura, a aguentar uma grande pressão moral e sorrir achando tudo isso normal. Já dizia Vitor Hugo sobre as boas e comportadas caras: “Os segredos estão no íntimo.”.

Sexo então, cheio de perigos e problemas que repugnam a boa moral (palavra tão presente que já apareceu vinte vezes no texto). Se relacionar diferente? Jamais, isso suscitaria uma desordem. E porque não desordenar um pouco, vai que a gente gosta e se acostuma. O “caos” talvez não seja ruim.

Espero que um dia todos se libertem dos grilhões da tradição e do costume, esses dois inibidores de bons momentos e felicidade. Que todos se assumam como são e como se não bastassem, sejam todos felizes. Mas essa missão é para os corajosos, que talvez não estejam na nossa geração. Deixem para os nossos filhos, uma vez que nós medrosos formaremos familiazinhas comportadas.

Quando a verdadeira liberdade entrar em cena e a tolerância se impor, tchau para a sociedade, essa tão sólida utopia estará bem longe.


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